As bruxas andam soltas na empresa.Houve aquela confusão com os clientes que resultou em várias cartas de reclamação aos jornais. Depois, na esteira dessas reclamações, uma jornalísta escreveu uma série de matérias espinafrando a empresa. Teve até um político epiroqueta que andou turando partido da questão dizendo coisas absurdas sobre o caso. Agora, dirigentes de uma ONG querem falar com o presidente. No meio disto tudo, muito “disse-me-disse”, entre os empregados, a galera parece desmotivada e a produtividade caiu. Para completar, as vendas desabaram no semestre. E desabaram feio.
Este quadro geral surge na reunião de diretoria. Na realidade, o tema não fazia parte da pauta da reunião até porque o tal desagradável episódio com os clientes em si era tido já portodos como “águas passadas”. A grande vedete da reunião era, sim, o medíocre resultado de vendas do semestre que, para desespero do diretor financeiro, já mandara o espaço, seis meses antes, o objetivo anual da empresa.
Interessante é que o quadro geral acima descrito não foi apresentado por ninguém pronto e acabado. Ele foi surgindo pouco a pouco na medida que cada diretor comentava onde seus calos doíam. Cada elemento desse cenário – a insistentência da mídia, a queda no índice de sastifação dos clientes, o clima de bode na organização, etc – ia sendo apresentado um a um como fatos independentes, sem relação entre eles, e muito menos entre eles e o episódio passado. Ma acabou sendo consensual que a coisa toda estava muito estranha. E, pela primeira vez, em anos, numa reunião de diretoria, a culpa de todos os problemas não sobrava para o Governo e sua política econômica.
- “Deveríamos contratar alguém para fazer um trabalho de Relações Públicas” – arrisca timidamente um dos diretores.
A sugestão não é nova. Volta e meia ela ressurge e é sumariamente derrubada. Como sempre, o diretor financeiro diz que não há dinheiro e lembra os gastos maciços em propaganda. O de markrting torce o nariz. RH desconversa com um “não sei se é por ai”. E o diretor jurídico pergunta: Data Venis RP, prá que?” Como nenhum dos presentes sabe responder a indagação, a solução vem por acordo de lideranças: talvez no ano que vem. Pronto! É a senha para todos voltarem à ‘realidade dos negócios’. Momento seguinte, começa o desfile dos centenários concursos para estimular vendas e de outros tantos velhos conhecidos programas de redução de despesas, das viagens irternacionais ao cafezinho, passando, é claro, pelo enxugamento dos efetivos.
Tenho certeza de que você já viu este filme.
Infelizmente é assim. O caminho a ser percorrido entre o relacionamento desses fenômenos "estranhos" – as bruxas soltas - e a necessidade de um "trabalhinho" de RP é longo. Aliás, muitas empresas nem este trecho percorrem. Perdem clientes, bons funcionários, quebram mas não se rendem a "essas coisas de americano". Outras, de postergação em postergação, vão consumindo suas preciosas energias tapando o sol com a peneira.
Um dia, porta arrombada, moral no chão, dá-se o salto qualitativo:
"Precisamos de um trabalho de um RP. [Aleluia!] Contratemos um assessor de imprensa".
Bem, "aleluia" em termos. Saltamos de uma situação em que se ignorava a necessidade de serviços de RP para outro estágio em que se desconhece ainda o que vem a ser RP, seu alcance, suas tecnologias, fundamentos.
No Brasil, " assessoria de imprensa" é uma espécie de "entry level" da atividade de RP. O positivo é que as empresas podem, sem saber, estar plantando dentro delas a semente da atividade no seu sentido global. É claro que esses coitados vão pagar todos os seus pecados no processo entre a semente e o fruto. Cedo vão descobrir que, na verdade, foram contratados para dar um urgente cala-boca naquela jornalista encrenqueira. Seus préstimos também serão solicitados para conseguir colocar, na primeira página, as declarações inteligentes do presidente da empresa e, nas colunas sociais, notinhas simpáticas sobre ele e sua adorável família. E vão frustrar aqueles que os contrataram se a tal jornalista resistir aos seus encantos, almoços, jantares, brindes, propostas indecentes, etc e continuar pegando no pé da empresa, agora com a credibilidade de quem tem acesso a uma fonte mais confiável.
Esses hoje denominados "assessores de imprensa" terão prestado um grande serviço se, apesar de tudo, conseguirem vender o peixe de que clientes, funcionários, acionistas, imprensa, autoridades, políticos, sindicatos, ongs, opinião pública em geral e outras tribos fazem parte de um mesmo eco-sistema que precisa ser olhado e tratado como um todo. E mais: que profissional para tratar dessas coisas chama-se Relações Públicas. Aqui e na China.Roberto Catro Alves